O PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA E A INCIDÊNCIA DO ITCMD

Deilon Flavius de Queiroz

 

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 155, inciso I, atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a competência de instituir impostos sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos. Desse modo, cada ente federado está legitimado disciplinar, dentre outros, de maneira específica, as hipóteses de incidência, ou seja, bens e direitos transmitidos sobre os quais deverá ser aplicado o ITCMD.

Com efeito, nos últimos tempos, inaugurou-se uma importante discussão jurídica acerca da incidência do imposto de transmissão causa mortis e doação sobre os planos de previdência privada, especialmente os denominados VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) e os PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre).

É bom esclarecer, em princípio, que VGBL e PGBL são classificados pela SUSEP – Superintendência de Seguros Privados[1] como de caráter previdenciário/securitário. A referida autarquia assim os conceitua:

“VGBL (Vida Gerador de Benefícios Livres) e PGBL (Plano Gerador de Benefícios Livres) são planos por sobrevivência (de seguro de pessoas e de previdência complementar aberta, respectivamente) que, após um período de acumulação de recursos (período de diferimento), proporcionam aos investidores (segurados e participantes) uma renda mensal – que poderá ser vitalícia ou por período determinado – ou um pagamento único. O primeiro (VGBL) é classificado como seguro de pessoa, enquanto o segundo (PGBL) é um plano de previdência complementar.

A principal diferença entre os dois reside no tratamento tributário dispensado a um e outro. Em ambos os casos, o imposto de renda incide apenas no momento do resgate ou recebimento da renda. Entretanto, enquanto no VGBL o imposto de renda incide apenas sobre os rendimentos, no PGBL o imposto incide sobre o valor total a ser resgatado ou recebido sob a forma de renda.

No caso do PGBL, os participantes que utilizam o modelo completo de declaração de ajuste anual do I.R.P.F podem deduzir as contribuições do respectivo exercício, no limite máximo de 12% de sua renda bruta anual. Os prêmios/contribuições pagos a planos VGBL não podem ser deduzidos na declaração de ajuste anual do I.R.P.F e, portanto, este tipo de plano seria mais adequado aos consumidores que utilizam o modelo simplificado de declaração de ajuste anual do I.R.P.F ou aos que já ultrapassaram o limite de 12% da renda bruta anual para efeito de dedução dos prêmios e ainda desejam contratar um plano de acumulação para complementação de renda.

De fato, conforme previsto no artigo 36 da Lei Complementar nº 109/2001, esses planos parecem ter a mesma natureza dos seguros de vida, haja vista que a própria lei que os regula dispõe, em seu artigo 73, que será aplicada, no que couber, a legislação aplicável às sociedades seguradoras[2].

Por meio dessa modalidade de contratação, constata-se que há acumulação de recursos restituíveis, a qualquer momento, ao instituidor do plano. Logo, VGBL e PGBL são planos idênticos, sendo que a única diferença entre os contratos é justamente a forma de tributação no seio do imposto de renda.

A análise jurídica, entretanto, volta-se ao imposto de transmissão relativo ao direito sucessório: é devida ou não a tributação sobre os valores aplicados nesses planos quando ocorrida a sua transmissão pela via sucessória?

Considerado o fato de que os Estados e o Distrito Federal são competentes para legislar sobre a matéria, há ainda muitas divergências sobre o tema. Em princípio, constata-se que três situações distintas são encontradas no âmbito nacional. Alguns estados definiram, por meio de lei, ser hipótese de incidência tributária (tributam o ITCMD); outros, também por disposição legal ou por interpretação do Fisco Estadual, estabeleceram não ser hipótese de incidência tributária (não tributam o ITCMD); por fim, há casos em que o Fisco Estadual, independentemente de previsão legal, entende que se trata de hipótese de incidência (tributam o ITCMD).

A questão, então, foi levada à apreciação do Poder Judiciário.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, no julgamento do agravo de instrumento nº  0044064-08.2014.8.19.0000, entendeu que “deve ser aplicado ao instituto a regra prevista no artigo 794 do Código Civil, certo que entendido dentre os modelos de benefício como espécie de seguro de vida, pessoal, de acordo com o que estipula o próprio órgão responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguro, não possuindo, assim, característica típica dos fundos de investimento”. A partir daí, por entender que essa modalidade de plano de previdência não guarda a natureza de direito de herança, no teor da norma legal civil, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concluiu que não há fato gerador para o tributo, razão pela qual afastou a possibilidade de incidência do ITCMD.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por sua vez, no julgamento do agravo de instrumento, compreendeu que o capital estipulado em contrato de seguro não é considerado herança, o que significa que, no caso em comento, o prêmio do plano VGBL, pago de comum acordo pelos cônjuges (ao que tudo indica), independentemente da morte de qualquer deles não é transmitido automaticamente aos herdeiros, o que impede a sua inclusão em inventário e consequente tributação pelo ITCMD”.

Em ambos os casos, foi forte o apelo à aplicação aos planos do disposto no artigo 794 do Código Civil, segundo o qual, no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dividas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

De qualquer forma, a situação ainda está longe de ser resolvida, na medida em que há forte interpretação em favor da tributação sobre a transferência dos resultados desses planos aos sucessores legais nele instituídos.

Nesse sentido, tem especial atenção o fundamento de que, como se trata de aporte financeiro visando ao acúmulo de rendimentos, inclusive com o objetivo de auferir lucro, tem-se caracterizado os planos em comento como patrimônio do instituinte. Assim, no momento do seu falecimento, há a transmissão dos recursos construídos por meio desses planos aos seus herdeiros. Tal situação difere, pois, do seguro de vida, já que este é estipulado, em regra, para ser destinado um capital segurado, em valor fixo, aos beneficiários do segurado. Em outras palavras, a relação jurídica, embora, firmada pelo segurado, é feita, desde o liminar, em favor dos dependentes/beneficiários do seguro.

A Procuradoria Geral do Estado do Paraná[3], em Parecer, asseverou: 

Desse modo, pela perspectiva do resgate em vida pelo Participante, vislumbra-se a nítida característica patrimonial do contrato de previdência privada. Em outras palavras, se em vida o beneficiário pode resgatar os valores aportados, ou melhor, investidos, urge destacar que se configura herança transmitida aos herdeiros/dependentes no momento de abertura da sucessão. Logo, a obrigação do Banco já existe, com a possibilidade de resgate dos valores investidos.

No entanto, o seguro de vida já é firmado para que a importância segurada (geralmente estabelecida em valor fixo) seja destinada diretamente aos beneficiários, por exemplo, aos dependentes, informados pelo estipulante/segurado. Em suma, o resgate se torna obrigatório nos planos de benefício por sobrevivência (a exemplo do PGBL e VGBL), pois o participante ao aportar valores está investindo em um fundo de investimento (cotas), e, com isso, acumula recursos em sua provisão matemática de benefícios a conceder que devem retornar em seu favor, caso desista do plano contratado, ou em favor de seus beneficiários, caso venha a falecer”.

A seguir essa linha de raciocínio, tornar-se-ia fácil defender a hipótese de incidência – de fato, parece inafastável que, diferente de um contrato de seguro, em que há apenas o pagamento de um prêmio, baseado em um valor segurado previamente instituído, e um risco do agente segurador, o contrato de previdência complementar exige, para a formação do plano, a contribuição sistemática do instituidor, como se aplicação financeira se tratasse.

Com efeito, em algum momento, a questão ainda baterá às portas do Superior Tribunal de Justiça. E lá, uma boa discussão poderá ser travada, com um precedente em favor dos instituidores dos planos de previdência.

Isso porque, no ato do julgamento do Recurso Especial 877.965 – SP, em que pese a temática principal não estar vinculada ao direito tributário-sucessório, a conclusão adotada naquela oportunidade foi a de que “O contrato de previdência privada com plano de pecúlio por morte se assemelha ao seguro de vida, podendo também as normas aplicáveis às sociedades seguradoras estender-se, no que couber, às entidades abertas de previdência privada (art. 73, LC n. 109/2001)”.

Então, se no caso em particular apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, em que pese distante os aspectos tributários-sucessórios, restou entendido que, embora a contratação analisada não se tratasse exatamente de contrato de seguro, mas sim obrigação decorrente de previdência privada (na modalidade de benefício pago por entidades de previdência privada, em muito se assemelhando com a indenização a título de seguro de vida), a lógica interpretativa acerca da natureza dessa mesma contratação, sob a ótica do ITCDM,  também seria a de que, guardando característica de seguro de vida, os planos VGBL e PGBL não estariam sujeitos à hipótese de incidência tributária por transmissão sucessória.

Portanto, se predomina, sob a ótica do instituidor do plano e do agente operador, a natureza previdenciária/securitária sobre as contratações de VGBL e PGBL, pela visão da Fazenda Pública Estadual, sempre voraz no intuito arrecadatório, não passará despercebido o fato de que todo o capital formado nesses planos de previdência decorre de aportes do seu instituidor, que pode até mesmo vender todos os seus bens para investir em um desses planos, fazendo dele um patrimônio concentrado.

Para concluir, a verdade é que as instituições que operam os planos de previdência privada divulgam e vendem cada vez mais seus produtos sem se preocupar com o dever de informar seus clientes acerca de muitas consequências advindas dessa contratação – aqui, em com especial atenção, a tributária vinculada à transmissão sucessória –, o que pode causar grave risco de se criar uma armadilha[4] para o cliente no momento de sua sucessão, especialmente enquanto a matéria não for apreciada no Superior Tribunal de Justiça.

 

[1] http://www.susep.gov.br/setores-susep/seger/coate/perguntas-mais-frequentes-sobre-planos-por-sobrevivencia-pgbl-e-vgbl)

[2] http://vitorpecora.jusbrasil.com.br/artigos/124652928/impostos-sobre-transmissao-causa-mortis-e-doacao-itcmd

[3] http://www.pge.pr.gov.br/arquivos/File/Revista_PGE_2011/Pareceres_Consulta_acerca_da_incidencia.pdf

[4] http://exame.abril.com.br/seu-dinheiro/noticias/6-armadilhas-da-previdencia-privada-que-o-pegam-desprevenido

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